sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Yamunacharya & Ramanujacharya


Depois de Nathamuni, Sri Yamunacharya foi o principal expoente do Sri Vaisnavismo antes de Ramanuja. Nascido por volta de 953 D.C. em Madura, a capital do reino de Pandura, Yamuna foi criado por sua mäe e avó, pois seu pai falecera e seu avô Nathamuni havia tomado sanyasa. Embora fosse órfäo, deu-se bem em seus estudos e logo ultrapassou todos seus colegas de escola em erudiçäo. O gênio acadêmico do jovem Yamuna maravilhava todos. Sua atençäo aos estudos e proficiência nas escrituras tornavam-no querido por seu professor, Sri Bhasyacharya, e sua natureza doce e bela tornavam-no querido por seus colegas.

Quando Yamuna tinha apenas doze anos, ganhou um reino através da força de sua inteligência. Naquela época, o pandita real do rei Pandya de Kola conseguira todos outros panditas de sua terra parecerem tolos. Ele era famoso como "Vidvajanakolahala", que significa "aquele que tumultua os sábios". O pandita real era muito querido pelo rei, que o patrocinava abundantemente. Vidvajanakolahala costumava arrancar um imposto anual de todos panditas da terra. Aqueles que näo pagassem tinham que enfrentar o pandita real na argumentaçäo e ser humilhados e subsequentemente punidos. Por medo de perder sua reputaçäo como sábios, todos costumavam pagar esse imposto regularmente sem discutir. Certo dia um discípulo do pandita real chegou ao ashrama do guru de Yamuna, exigindo o imposto. O guru de Yamuna estava fora naquele momento e o próprio Yamuna recusou-se a pagar a taxa, considerando-a um insulto a seu gurudeva. Enviou o discípulo de volta com a mensagem que um insignificante seguidor de Bhasyacharya iria desafiar o pandita conquistador-do-mundo, Vidvajanakolahala, em discussäo aberta.

Quando as notícias do desafio do menino de doze anos chegaram ao pandita real, este simplesmene riu. "Tudo bem," disse. "Chamem este sábio aqui e vamos medir a força das inteligências". Pela ordem do próprio rei marcaram um dia para o debate, e na data combinada o menino-sábio foi levado perante a corte real num suntuoso palanquim. Ao ver a beleza do menino, a rainha ficou encantada. Ela instantaneamente tomou seu partido, enquanto o rei preferiu seu próprio pandita. O rei e a rainha fizeram uma aposta. Se o pandita do rei ganhasse o debate, a rainha deveria submeter-se a qualquer capricho do rei. Se o favorito da rainha, o belo menino pandita, ganhasse o debate, o rei deveria dar a Yamunacharya metade do reino.

Primeiro o pandita real examinou a criança, fazendo-lhe diversas perguntas obscuras sobre gramática sânscrita as quais Yamuna respondeu perfeitamente. Entäo foi a vez de Yamuna examinar o erudito. Ele disse: "Vou citar três máximas. Se puder refutá-las admitirei a derrota. Esta é a primeira: sua mäe näo é estéril."

O pandita real ficou estarrecido. Refutar essa máxima seria negar seu próprio nascimento. Incapaz de responder, ele ficou em silêncio.

Yamunacharya continuou: "Minha segunda proposta é esta: o rei é virtuoso. Refute isso se tiver coragem."

Novamente o pandita ficou em silêncio. Como poderia argumentar que seu próprio rei era ímpio?

Finalmente o menino disse: "Minha terceira proposta é essa: a rainha é casta. Refute isto é estarei derrotado."

Incapaz de refutar essas propostas, o pandita defendeu-se: "Estás propondo coisas que säo irrefutáveis. Ao pedir que eu desafie a virtude do rei e a castidade da rainha estás cometendo traiçäo e blasfêmia. Como ousas pedir-me isso! Isto é um ultraje. Se pensas que essas propostas podem ser refutadas entäo faça-o e será condenado como um ofensor ao trono. Senäo, admite tua insolência e baixa a cabeça por vergonha."

Os seguidores do pandita encheram a arena de aplausos, e o rei sentiu-se confiante que seu campeäo devolvera com sucesso o desafio desse menino impudente. Porém Yamunacharya näo terminara. "Como queira;" disse, "refutarei estas propostas. Primeiro pedi que refutasse a proposta que sua mäe näo é estéril. Como deixou de fazê-lo, citarei o Manu Smrti sobre esse assunto. Segundo as Leis de Manu, "Se uma mulher näo tiver mais que uma criança, pode-se considerá-la estéril. (eka-putro hy aputrena lokavadat, Manu-Samhita 9.61, Medhatiti Bhashya) Como sua mäe só teve um filho, a proposta que ela näo é estéril foi refutada.

Agora a segunda proposta: o rei é piedoso. Pedi-lhe que refutasse isto, porém foste incapaz de fazê-lo. As Leis de Manu também declaram que como é responsável pela proteçäo de seus súditos, o rei assume um sexto dos resultados dos atos piedosos ou impiedosos deles. (sarvato dharmasad bhago rajo bhavati raksatah, adharmadapi sad bhago bhavatyasya hyaraksatah, Manu-Samhita, 8.304, Medhatithi Bhashya). Como estamos em Kali-yuga, as pessoas em geral naturalmente säo ímpias, e portanto o rei tem que assumir um pesado fardo de impiedade. Isto refuta a segunda tese: o rei é piedoso.

Quanto a refutar a terceira proposta - a rainha é casta..." Nisso, a multidäo ficou em silêncio. A própria rainha corou. Os que apoiavam Yamunacharya especulavam como é que o menino poderia refutar essa proposta e vencer o pandita sem encabular a rainha. Yamunacharya continuou: "As Leis de Manu declaram que um grande rei é o representante dos deuses. Os deuses - Agni, deus do fogo, Vayu, deus do ar, Surya, deus do sol, Chandra, deus da lua, Yama, senhor da morte, Varuna, Kuvera, e Indra - estäo todos presentes no corpo do rei. A rainha, portanto, está casada com mais de um homem. Quando uma mulher se casa com mais de um homem entäo como ela pode ser casta? Portanto a terceira proposta é refutada."

A multidäo ficou estarrecida. O sábio menino certamente derrotara o pandita real. A rainha estava jubilante e abraçou Yamunacharya, dizendo: "Alabandaru," que significa "aquele que conquista". O pandita da corte ficou desgraçado. O rei, derrotado em sua aposta com a rainha, ergueu-se e disse: "Meu menino, Alabandaru, sábio-mirim que derrotou meu pandita real, o terror dos eruditos - o próprio Vidvajanakolahala. A miserável vida dele agora é tua para fazer o que quiser. Entrego ele em tuas mäos. Quanto a ti, prometi à rainha dar-te metade de meu reino no caso de seres vitorioso. Agora que venceste, humildemente peço que aceites metade de meu reino como tua recompensa." O rei entregou a Yamunacharya o local que hoje em dia se chama Alavandara-medu.

Yamunacharya, que ganhara o título de "conquistador" agora era famoso como Alabandaru, o rei-menino. Conforme os anos se passavam, envolveu-se mais e mais nos assuntos do estado, praticamente esquecendo o legado de seu avô, Nathamuni. Cercado de opulência e poder real, gradualmente foi entrincherado pela posiçäo de rei. Absorto na política, tinha pouco tempo para assuntos espirituais.

Mais ou menos nessa época, o avô de Alabandaru, Nathamuni, faleceu; porém antes de deixar este mundo, chamou para junto de si seu discípulo mais confidencial, Nambi, e encarregou-o de uma tarefa sagrada: inspirar Yamunacharya a renunciar a seu reino e defender a causa do Sri Vaisnavismo. Yamunacharya era singularmente qualificado para propagar o Sri Vaisnavismo. Ninguém mais poderia tomar o lugar de Nathamuni.

Os anos se passaram. Finalmente chegou a hora de impulsionar Yamunacharya nesse sentido. Nambi, lembrando a ordem de seu gurudeva, partiu para enfrentar Yamunacharya e convencê-lo da necessidade de renunciar ao mundo e pregar. Quando chegou aos portöes do palácio, entretanto, mandaram-no embora. Näo era fácil para um humilde mendicante conseguir uma entrevista com o grande Rei Alabandaru. Perguntando, Nambi descobriu quem era o cozinheiro real. Certo dia, enquanto o cozinheiro retornava do mercado com compras frescas, Nambi parou-o e deu-lhe umas verduras chamadas tuduvalai, que supostamente promovem pureza mental e aumentam a tendência pela contemplaçäo e vida espiritual. Pediu ao cozinheiro que por favor cozinhasse estas verduras regularmente para o bem do rei. O piedoso cozinheiro compreendia a raridade e pureza destas verduras e ficou contente em cozinhá-las para o rei. A partir daquele dia, regularmente preparava-as para o almoço do rei. O rei saboreou grandemente as verduras, e Nambi regularmente supria-as ao cozinheiro.

Certo dia, Nambi deixou de fazê-lo. O rei sentiu falta de suas verduras e perguntou ao cozinheiro porque näo as preparara. Quando o cozinheiro explicou sobre o misterioso mendicante que supria essas verduras, o interesse do rei viu-se estimulado: "A próxima vez que esse sadhu vier," o rei ordenou ao cozinheiro, "traga-o diante de mim."

No dia seguinte, quando Nambi retornou com as verduras, o cozinheiro trouxe-o diante do rei e apresentou-o. "Que desejas de mim?" perguntou o rei. "Porque trazes estas verduras diariamente de graça?" Nambi pediu uma entrevista privada. O rei ordenou que seus acompanhantes os deixassem a sós, e quando todos saíram, ofereceu um assento a Nambi. "Por favor fale," disse.

Nambi entäo contou a Alabandaru que seu avô falecera. Falou da ansiedade de Sri Nathamuni pois a sampradaya do Sri Vaisnavismo precisava de um paladino, um grande erudito que pudesse derrotar escolas de filosofia oponentes e estabelecer os princípios religiosos da tradiçäo deles. Só Yamunacharya era suficientemente qualificado para fazê-lo, porém ele agora se tornara o Rei Alabandaru, um governante do povo apegado à luxúria real e poder. Gradualmente Nambi acordou no coraçäo de Yamunacharya um desejo por renunciar ao trono e liderar a Sri Sampradaya. Após considerar profundamente a mensagem do Bhagavad-gita na companhia de Nambi, ele visitou o templo de Sri Rangam, onde aceitou o mantra de Nambi e se comprometeu a deixar a opulência da realeza e assumir a missäo de seu avô.

Após render-se plenamente a uma vida de disciplina espiritual, contemplaçäo e devoçäo, Sri Yamunacharya continuou até tornar-se um grande mestre. Rapidamente tornou-se o líder intelectual e espiritual dos Sri Vaisnavas, altamente considerado por sua realizaçäo, sua erudiçäo, e sua síntese do sistema filosófico de Nathamuni com o sistema de adoraçäo Pancaratra autorizado pelos Vedas. O status inquestionável de Yamunacharya como brahmana ajudou-o a estabelecer sua versäo Pancaratrik do Vedanta acima dos protestos dos seguidores de Sankaracharya. Assim ele aumentou o prestígio do Vaisnavismo e Krishna-bhakti ao demonstrar tanto suas bases escriturais quanto sua superioridade espiritual em relaçäo ao sistema de classes mundano. Entre seus escritos estäo as famosas oraçöes devocionais a Vishnu conhecidas como Stotra-ratnam, a Jóia das Oraçöes. Seus escritos também incluem diversas obras filosóficas e teológicas: o Gita-sangraha, uma explicaçäo de seus pontos-de-vista acerca do Bhagavad-gita; seu Agama-pramanya, expondo a síntese da tradiçäo Pancaratra com sua versäo do Vedanta Vaisnava; e outras importantes obras doutrinárias, tais como o Siddhitraya ou Perfeiçäo Trina (do qual restaram apenas fragmentos) e o Atma-siddhi, ou Tratado sobre Auto-realizaçäo.

Os principais escritos de Yamunacharya estäo em sânscrito. Escrever em sânscrito foi para Yamunacharya um abandono estratégico da tradiçäo Alwar do sul da India, pois sempre escreviam em Tamil. Escrevendo seus comentários escriturais em sânscrito, entretanto, Yamunacharya esperava estabelecer a tradiçäo do sul da India num contexto expositor mais clássico, aceitável a um grupo maior de eruditos védicos. Desta maneira, ele estabeleceu os fundamentos do Sri Vaisnavismo como sampradaya ortodoxa, ou escola maior de teologia.

O esboço geral do Sri Vaisnavismo, bem como muitos de seus detalhes foram esboçados por Yamunacharya em seus escritos. Sobrou para Ramanuja preencher este esboço, delineando seus detalhes mais refinados, para estabelecer um Sri Vaisnavismo mais ortodoxo na consciência coletiva do Sul da India, e criar um espaço na história da Sri Vaisnava sampradaya.

Yamunacharya atraiu muitos seguidores e discípulos; a história registra os nomes de vinte deles. Embora fossem sinceros e devotados a seu amado gurudeva, nenhum deles foi abençoado com a profunda erudiçäo ou energia determinada necessária para proseguir seu grande trabalho de maneira significativa. Restou a Sri Ramanujacharya realizar as esperanças de Yamunacharya com relaçäo ao futuro do Sri Vaisnavismo.

Periya Tirumalai Nambi, também chamado de Sri Saila Purna em alguns relatos, era o seguidor predileto de Yamunacharya. Sob a guia de Yamunacharya, ele aceitou a ordem de vida renunciada e viveu com seu guru, servindo-o até o último momento. Nambi tinha duas irmäs, chamadas Bhudevi e Sridevi, como as esposas do Senhor Sri Venkatesvara. Bhudevi casou-se com um piedoso brahmana chamado Asuri Kesavacharya. Kesavacharya vivia em Sri Perumudura, umas vinte e seis milhas de Madras. Depois de algum tempo, nasceu-lhes uma criança. Nambi chamou-a de Laksmana, como o irmäo de Sri Ramachandra. Segundo os Sri Vaisnavas, Ramanuja era uma encarnaçäo do próprio Laksmana. Como Laksmana foi um grande devoto de Rama, o menino logo tornou-se conhecido como Rama-anuja, ou "seguidor de Rama".

Segundo a tradiçäo Sri Vaisnava, Ramanuja nasceu no quinto dia da lua cheia do mês de Caitra em 1017 D.C. A família de Ramanuja pertencia à casta dos Vadama smarta-brahmanas, que eram eruditos védicos formais. Kesavacharya, pai de Ramanuja, era muito apegado à realizaçäo de sacrifícios ou yajnas védicos. Por essa razäo tornou-se famoso como Sarvakratu ou realizador de todos tipos de sacrifícios. Quando o garoto chegou na idade apropriada, Kesavacharya imergiu-o na educaçäo sânscrita, ensinando-lhe gramática, lógica, e os Vedas. Embora Ramanuja fosse bem versado no conhecimento brahmínico, contudo ainda näo fora exposto aos hinos Tamil profundamente devocionais glorificando Sri Vishnu. Ainda assim, sua devoçäo natural já fora despertada pela associaçäo com um discípulo de Sri Yamunacharya que näo era brahmana, chamado Kancipurna, e Ramanuja demonstrava uma natureza santa até mesmo em sua infância. Conforme passou o tempo, submeteu-se a todos ritos purificantes de um hindu piedoso, inclusive a cerimônia do cordäo sagrado e casou-se, com a idade de dezesseis anos.

Com apenas um mês de casado, o pai de Ramanuja ficou gravemente doente e faleceu. Depois da morte de seu pai, Ramanuja mudou-se com sua família para Kancipuram, onde entrou na academia de Yadava Prakasha, um vedantista da escola impersonalista Sankarita. Segundo alguns comentaristas, a decisäo de matricular Ramanuja na escola de um näo-Vaisnava é evidência de que sua família näo era estritamente devotada a Vishnu mas eram meramente brahmanas por casta interessados em assegurar que seu filho se tornasse um bom erudito. Outros estäo convictos que essa era meramente a estratégia de Ramanuja para tornar-se bem versado nos argumentos de Shankaracharya antes de refutá-los exaustivamente em seus próprios comentários.

Ramanuja logo sobresaiu-se entre os estudantes de Yadava Prakasha e tornou-se o estudante favorito de seu mestre. Yadava Prakasha pregava a teoria do näo-dualismo, e frisava a ilusäo de toda forma, incluindo a forma de Sri Vishnu. Conforme a devoçäo de Ramanuja por Vishnu florescia, seu desgosto por essa filosofia aumentava. Mesmo assim, por respeito a seu mestre ele evitava o conflito.

Logo, entretanto, chegou o dia em que näo conseguia mais tolerar o impersonalismo de Yadava Prakasa. Certo dia Ramanuja estava massageando as costas de seu guru enquanto Yadava Prakasa explicava um verso do Chandogya Upanishad. O verso continha as palavras kapyasam pundarikam evam aksini. Seguindo a interpretaçäo de Shankaracharya, Yadava Prakasa explicou que kapy significa "macaco" e asanam quer dizer "traseiro". Portanto, o verso conforme interpretado por Yadava Prakasa, foi traduzido como significando "Os olhos de lótus do Senhor Vishnu säo vermelhos como o traseiro de um macaco".

Ramanuja ficou irado ante esta blasfêmia, e lágrimas quentes fluíram de seus olhos angustiados, caindo sobre as costas de seu guru. Yadava Prakasa podia entender que seu discípulo estava perturbado, e indagou qual era o problema. Quando Ramanuja discordou da interpretaçäo de seu guru, Yadava Prakasa ficou espantado. Exigiu a interpretaçäo de Ramanuja. Ramanuja explicou que kapyasam significa "aquilo que está sobre a água e floresce ao beber" - em outras palavras, um lótus. Portanto o significado do verso é que os olhos de lótus de Vishnu säo täo belos quanto o lótus vermelho que floresce n'água.

Quando Yadava Prakasa viu a perícia de seu discípulo em derrotar seu argumento, sentiu que ali havia um poderoso rival. Desde esse dia, passou a premeditar o assassinato de Ramanuja. Conspirou com seus discípulos para sair em peregrinaçäo ao Ganges e matar Ramanuja num local afastado. Após matar Ramanuja, eles se banhariam no Ganges a fim de expiar o pecado. Felizmente, o primo de Ramanuja ficou sabendo do plano de assassinato e avisou Ramanuja, que conseguiu safar-se ileso. Depois de algum tempo Yadava Prakasa retornou a Kancipurnam, e Ramanuja continuou indo a suas palestras, embora internamente estivesse buscando outro caminho.

O próprio Yamunacharya veio visitar Ramanuja, porém quando chegou a Kanci e viu que Ramanuja ainda era seguidor de Yadava Prakasa, näo se aproximou. Dizem que Yamunacharya olhava de longe e orava para que Ramanuja se tornasse darsana-pravartaka, ou preceptor filosófico da Sri Vaisnava Sampradaya.

Mais ou menos nessa época, o rei de Kancipurnam chamou Yadava Prakasa. Sua filha estava possuída por um brahma-rakshasa, um fantasma brahmana. Yadava Prakasa foi chamado como exorcista, e quando chegou com seus discípulos, foi levado diante da filha do rei e pediram que a livrasse da influência do fantasma. Falando através da boca da moça, o fantasma insultou Yadava Prakasa e riu-se dele. Pediram que Ramanuja tentasse, e quando estava diante da moça, o fantasma brahmana disse: "Se Ramanuja me abençoar com a poeira de seus pés de lótus, deixarei esta moça." Ramanuja assim fez, ao que a menina ficou curada, e o rei profundamente grato.

Depois dessa humilhaçäo diante de Ramanuja, näo demorou muito para que Yadava Prakasa mandasse Ramanuja deixar seu ashrama. A ruptura final ocorreu quando Yadava Prakasa estava discutindo o sentido de dois textos dos Upanishads: saravam khalv idam brahma (Chandogya Upanishad 3.1 "tudo é Brahman") e neha nanasti kincana (Katha Upanishad 4.11) "näo existe distinçäo". Yadava Prakasa discutiu esses versos longamente enquanto explicava a teoria da unidade promovida por Sankaracharya com grande eloquência. Depois de Yadava Prakasa terminar de falar, Ramanuja deu sua própria interpretaçäo.

Ramanuja explicou que sarvam khalv idam brahman significaria "o universo inteiro é Brahman, se näo fosse pela palavra tajjalan na próxima parte do verso, o que qualifica o sentido. Ramanujacharya sustentava que isso näo significava que o universo é Brahman, mas sim que é permeado por Brahman. O universo provem de Brahman, é sustentado por Brahman, e reentra em Brahman afinal, assim como um peixe nasce na água, vive nela, e afinal se dissolve nela. Ainda assim um peixe näo é água, porém uma entidade inteiramente separada. Da mesma forma o universo, embora existindo dentro do Brahman é diferente de Brahman. Assim como um peixe nunca pode ser água, assim o universo nunca pode ser Brahman. Quanto ao segundo verso, neha nanasti kincana, segundo Ramanuja isso näo significa "näo existe distinçäo", mas sim que as coisas näo säo distintas por serem todas interconectadas, assim como pérolas ensartadas num fio. Como todas coisas säo inter-relacionadas e interconectadas, num certo sentido pode-se dizer que näo existe distinçäo entre elas. Todas coisas estäo relacionadas a Brahman e como tal näo possuem qualquer existência que seja distinta de Brahman. Ainda assim, embora possamos perceber uma certa unidade no inter-relacionamento de todas coisas, tudo no universo possue sua própria realidade distinta. Pérolas ensartadas num fio possuem unidade; coletivamente formam um todo orgânico, um colar. Porém, vistas como um todo orgânico, ainda assim todas possuem suas qualidades singulares. Portanto, Ramanuja argumentava, o princípio de absoluta unidade conforme defendido por Sankaracharya näo consegue se manter; em vez disso o princípio de unidade caracterizado por diferentes qualidades deve ser aceito.

Depois de deixar Yadava Prakasa, a mäe de Ramanuja aconselhou-o a orientar-se com Kancipurna, o Vaisnava näo-brahmana cuja devoçäo Ramanuja reverenciava muito. Kancipurna aconselhou-o a servir a deidade de Vishnu no templo do Senhor Varada, levando água diariamente ao templo. Começou a servir Kancipurna com grande devoçäo, e logo foi aceito como seu discípulo. Embora Kancipurna por nascimento fosse um membro da casta sudra e Ramanuja era brahmana, isso nunca influenciou a devoçäo de Ramanujacharya por ele. Aceitou Kancipurna como seu guru sem reservas. A esposa de Ramanujacharya, contudo, näo conseguia tolerar que seu marido aceitasse um sudra como guru, e fez de tudo para desencorajar a permanência de Ramanujacharya na companhia dele.

Nessa fase Yamunacharya já estava bem velho. Atacado pela doença, estava a ponto de deixar este mundo quando ouviu que Ramanujacharya deixara a escola de Yadava Prakasa e começara a servir o humilde Kancipurna, que era famoso como grande devoto de Vishnu. Enviou alguns discípulos para trazerem Ramanujacharya. Quando Ramanujacharya ouviu a notícia, imediatamente partiu para Sri Rangam, a sede dos Sri Vaisnavas, onde Yamunacharya estava morrendo. Porém quando chegou junto a Yamunacharya já era tarde. O mestre deixara este mundo, entrando em Vaikuntha e no serviço eterno de Sri Vishnu.

Nessa ocasiäo Ramanujacharya reparou que três dedos da mäo direita do mestre estavam fechados. Perguntou aos discípulos de Yamunacharya se ele costumava manter sua mäo daquela forma, e replicaram que era muito incomum. Sripad Ramanuja conseguiu entender que esse gesto incomum de três dedos fechados representava os três desejos irrealizados de Yamunacharya. Entäo fez voto de realizar estes três desejos. Prometeu ensinar ao povo em geral a religiäo da rendiçäo a Vishnu, treinando-o nos cinco samskaras, ou processos purificatórios. Ao dizer isto, um dos dedos de Yamunacharya relaxou. Ramanujacharya entäo fez voto de comentar sobre os hinos dos Alwars, os santos do sul da India, e com isso o segundo dedo relaxou. Finalmente Ramanujacharya prometeu escrever um comentário erudito sobre os Vedanta-sutras expondo os princípios do Sri Vaisnavismo como verdade máxima dos Vedas. Com isso o último dedo fechado relaxou. Um ar de paz espiritual invadiu o rosto de lótus do mestre divino de Ramanujacharya, Sri Yamunacharya, como se quisesse dizer que agora ele partia em paz, sabendo que sua missäo estava em boas mäos.

Ao retornar a Kancipurna, Ramanujacharya gradualmente tornou-se completamente desinteressado na vida familiar, bela esposa e lar, e absorveu-se profundamente no serviço a seu guru Kancipurna, com quem começou a passar a maior parte do tempo. Como Ramanujacharya passava mais tempo no templo, sua esposa ficou infeliz pelo marido ignorá-la. Sentiu-se ainda mais humilhada por ele negligenciá-la para servir um sudra de nascimento baixo.

Certo dia Ramanuja convidou Kancipurna para jantar, pensando que assim poderia tomar os restos da prasada de seu guru, e assim ser abençoado. Kancipurna, sendo muito humilde, chegou cedo, antes que Ramanuja tivesse retornado ao lar. Kancipurna explicou à esposa de Ramanuja, Kambalaksa, que ele tinha serviço a fazer no templo e näo poderia demorar-se muito. Nisso, Kambalaksa rapidamente deu-lhe de comer e despachou-o. Depois que Kancipurna se fora, ela pegou uma longa vara e cuidadosamente pegou a folha de bananeira na qual ele se servira, a fim de näo sujar suas mäos com o que ela achava serem restos contaminados de um intocável. Depois de mandar que a serva limpasse o aposento cuidadosamente, ela se banhou para purificar-se. Quando Ramanuja retornou e ouviu o insulto a seu guru, ficou irado.

Certo dia, ao tirar água de um poço, a esposa de Ramanuja encontrou com aquela do guru, Kancipurna. A água dos potes das duas acidentalmente acabou se misturando, e a esposa de Ramanuja amaldiçoou a de Kancipurna, pensando que seu pote d'água fora contaminado pela água de uma proscrita. Ao ficar sabendo desse insulto, Ramanujacharya ficou furioso. Mandou sua mulher de volta para os pais dela e foi-se para tomar sanyasa.

Após deixar o lar, ele foi ao templo de Varadraja ver a querida deidade de Vishnu que durante tanto tempo ele servira. Depois de obter a roupa açafroada e toda parafernália necessária à ordem renunciada, ele aceitou o bastäo triplo (tridanda) de sanyasa Vaisnava, simbolizando a completa rendiçäo de mente, corpo e palavras a Vishnu. Com isso, ficou conhecido como Yatiraja, "o rei da ordem renunciada".

Logo após tomar sanyasa, Ramanujacharya estabeleceu seu próprio monastério ou ashrama, onde começou a treinar discípulos na sua interpretaçäo Vaisnava sistemática do Vedanta, bem como na senda da devoçäo a Vishnu. Seu ashrama foi estabelecido próximo ao templo de Kanci. Seu primeiro discípulo era o filho de sua irmä mais velha, seu sobrinho Mudali Andan, também conhecido como Dasarathi. Seu segundo discípulo era um brahmana erudito e abastado chamado Kuratalvan, também conhecido como Kuresha, famoso por sua memória fotográfica.

Um dia a mäe de Yadava Prakasa viu Ramanujacharya ensinando seus discípulos e ficou impressionada com suas qualidades santas. Ela era uma grande devota de Vishnu e estava um tanto infeliz que seu filho Yadava Prakasa se tornara um seguidor do monismo impersonalita de Sankaracharya. Ela encorajou Yadava Prakasa a visitar Ramanujacharya. Naquela noite Yadava Prakasa teve um sonho no qual uma voz divina o instruia a tornar-se discípulo de Ramanujacharya. No dia seguinte, ao visitar Ramanujacharya, Yadava Prakasa encontrou-o vestindo as roupas de um Vaisnava. Perguntou-lhe: "Porque rejeitaste a escola de Sankaracharya? Porque adotaste roupas de Vaisnava? Onde é que as escrituras sancionam isto? Pode-me mostrar qualquer evidência escritural que apoie seu comportamento?"

Nisso, Ramanujacharya instruiu seu melhor discípulo, Kuresa, a esclarecer Yadava Prakasa com a evidência escritural apoiando a vestimenta Vaisnava. Citou extensamente do Sruti, dizendo: "Sruti é a melhor evidência. Portanto citarei algumas referências do Sruti (os seguintes versos do Sruti foram citados por Vedanta Desika, o acharya importante que se segue a Ramanuja em sua biografia chamada Sac-caritra-raksa.

No Sruti está dito:

sa te visnorabja-cakre pavitre
janmambodhim tartave carnaninra
mule bahvordadhate'nye purana
linganyamge tavakanyarpayanti

"A fim de livrarem-se do oceano de repetidos nascimentos e mortes, os melhores dentre os homens decoram seus corpos com os símbolos do lótus e chakra de Vishnu." (do Rk-Baskala-sakha)

aibhirbayamurukramasya cihnai rahnkita loke subhaga bhavamah
tad visno paramam padam ye'dhigaccanti lacchata (do Atharva-Veda)

"Assim como aqueles que väo para a morada sagrada de Vishnu estäo decorados com a concha, lótus, disco e maça, também devemos usar estas marcas e assim alcançar aquela morada divina.

upavit-adi-badharayah sanka-cakradayas tatha
brahmanasya visesena vaisnavasya visesatah
(do Vayavya Upa-purana, uma seçäo do Brahmanda-samhita)

"Brahmanas näo só devem usar o cordäo sagrado, como também devem decorar seus corpos com a concha, lótus, chakra e maça de Vishnu, assim identificando-se como Vaisnavas

hare padakrtim atmano hitaya madhye cchidram-urdhva-purndram
yo dhharayati sa parasya priyo bhavati sa punyavan bhavati sa muktiman bhavati. (do Atharva-Veda)

"Aquele que se decora com as marcas de tilaka parecidas com os pés de lótus de Vishnu com um espaço no meio torna-se querido ao Paramatma, piedoso e alcança a liberaçäo."

Após ouvir Kuresa expor täo perfeitamente a evidência escritural para se adotar vestes Vaisnavas, Yadava Prakasa perguntou-lhe: "Porque dizes que Brahman tem qualidades? Esta visäo (visistadvaita-vada) näo é apoiada por Sankaracharya. Onde está a evidência escritural para tua posiçäo?"

Novamente Kuresa respondeu, citando o Sruti:

yah sarvajnah sarvavit (do Mundaka Upanishad)

"(As qualidades da Suprema Verdade Absoluta säo que) Ele é todo-sábio e omnisciente." Suas qualidades säo ainda mais descritas nos Upanishads como segue:

na tasya karyam karanans ca vidyate
na tat samas cabhyadhikas ca drsyateae
parasya saktir-vividhaive-sruyate
svabhaviki jnana-bala-kriya ca (Svetasvatara-Upanishad 6.8)

"Ele näo possue forma corpórea como a de uma entidade viva comum: possue uma forma transcendental plena de bem-aventurança e conhecimento, e assim näo existe diferença entre Seu corpo e Sua alma. Todos Seus sentidos säo transcendentalmente divinos. Ele é o sustento absoluto. Qualquer um de Seus sentidos pode realizar a açäo de qualquer outro sentido. Nada é maior que Ele ou igual a Ele. Suas potências säo múltiplas, e assim Seus atos säo automaticamente realizadoss como consequência natural de Sua vontade divina. Em outras palavras, o que Ele desejar imediatamente se torna realidade. Suas energias divinas säo triplas: Sua energia de conhecimento (jnana-sakti, também conhecida como cit-sakti ou samvit-sakti), Sua energia de força (bala-sakti, também conhecida como a energia de existência do Senhor, sat, ou sandhini-sakti), e Sua energia de passatempos (kriya-sakti, também conhecida como Sua energia de êxtase, ananda ou hladini-sakti).

narayanah param brahma tatvam narayanah parah
(Taitiriya Narayanopanishad 93)

"Narayana é a Verdade Suprema Absoluta, Brahman. Ele é a Realidade Máxima.

harih parayanam param harih parayanam param
purnah purnarvadamyaham harih parayanam param
(Hari-bhakti-sudhodaya 3.52)


"A Suprema Personalidade de Deus é Sri Hari. Só Ele é o refúgio máximo, o refúgio supremo, o local de descanso final. De novo e de novo proclamo este fato: Sri Hari é a Suprema Personalidade de Deus."

Desta forma, Kuresa continuou e continuou, citando evidências escriturais, uma após a outra, para estabelecer os princípios do Sri Vaisnavismo. Yadava Prakasa ficou atônito com a profunda erudiçäo desse discípulo de Ramanujacharya. Lembrando do conselho de sua mäe para abrigar-se em Ramanuja, e da voz divina no sonho que disse para render-se a Ramanuja, e pensando em todas ofensas que cometera contra os sagrados pés desse grande santo, Yadava Prakasa näo conseguiu conter-se mais tempo. Caiu diante dos pés de Ramanujacharya e orou por suas bençäos. Submeteu-se como discípulo de Ramanuja, que imediatamente aceitou-o, dando-lhe o nome de Govinda Jiyar.

Yadava Prakasa mais tarde tornou-se um discípulo famoso de Ramanujacharya. Libertou-se do apego ao monismo impersonalista de Sankaracharya. Após tomar sanyasa, empregou seus grandes poderes de erudiçäo para promover a causa de Ramanujacharya e do Sri Vaisnavismo. Ele näo era mais um orgulhoso erudito; agora era um humilde devoto. Em seus últimos anos, Ramanuja mandou que escrevesse um livro sobre a conduta religiosa correta a ser seguida pelos sanyasas Vaisnavas da linha do Sri Vaisnavismo. Esse livro chama-se Yati-dharma-sammuccaya, e ainda é estudado e seguido pelos sanyasis da Sri-sampradaya.

Conforme a fama de Ramanuja se espalhava, os discípulos de Yamunacharya em Sri Rangam imploravam que Ramanuja viesse e os liderasse. Finalmente, após obter permissäo de sua amada deidade Senhor Varada, Ramanuja deixou Kancipurnam para ir a Sri Rangam, a fim de começar sua nova vida.

Após chegar a Sri Rangam, Ramanujacharya imergiu nos estudos das escrituras sob tutela de Mahapurna, um eminente discípulo de Yamunacharya. Com a ajuda de Mahapurna, Ramanujacharya tornou-se perito em muitas escrituras, inclusive o Nyasatatva, Gitartha-sangraha, Sidhitraya, Brahma-sutra, e os Pancaratras. Após algum tempo Mahapurna aconselhou Ramanujacharya a dirigir-se ao grande Goshtipurna e aceitar iniciaçäo dele no mantra Vaisnava.

A pedido de Mahapurna, Ramanuja aproximou-se de Goshtipurna para obter o mantra, porém foi recusado, pois Goshtipurna relutava em dar um mantra confidencial assim a um novato relativo. Ramanujacharya abordou Goshtipurna 18 vezes com grande humildade, finalmente irrompendo em lágrimas e implorando sua misericórdia. Finalmente Goshtipurna deu-lhe o mantra, após primeiro fazê-lo jurar absoluto segredo. Quando Ramanuja prometeu nunca repetir o mantra para mais ninguém, Goshtipurna sussurrou o mantra em seu ouvido dizendo: "Esse mantra é poderosíssimo. Quem o cantar alcançará a liberaçäo; retornará aos planetas espirituais Vaikuntha onde alcançará o serviço pessoal do Senhor."

Ao deixar o templo e dirigir-se a Sri Rangam, uma multidäo reuniu-se ao redor de Ramanujacharya. Tinham ouvido falar que ele receberia o mantra de Goshtipurna, e agora imploravam para saber o segredo. Inspirado a distribuir o mágico mantra que podia libertar da existência material qualquer um que o cantasse, Ramanuja anunciou à multidäo: "Por favor cantem esse mantra: Om namo narayanaya".

A multidäo ficou extasiada, e sentiu que fora realmente abençoada, porém quando a notícia disso chegou a Goshtipurna,, ele chamou Ramanuja. Irado por seu discípulo ter desobedecido suas ordens täo rapidamente, exigiu uma explicaçäo: "Eu lhe disse para manter esse mantra secreto. Porque o revelou täo rapidamente às massas? Sabe qual é a penalidade por tal comportamento?"

Ramanuja respondeu: "Sim, gurudeva, posso ir para o inferno por desobedecer sua ordem."

"Entäo porque fez isso?"

"Meu querido mestre, compreendi que o poder do mantra dado pelo senhor poderia salvar quem quer que o ouvisse. Quando vi o desejo sincero dessas pessoas de serem salvas da vida material, näo consegui conter-me. Senti alguma inspiraçäo divina para distribuir sua misericórdia a todos eles. Se isso é um grande pecado, entäo devo ser punido por sua santidade. Condene-me ao inferno entäo, se meu pecado assim determinar. Mas por favor näo demonstre sua ira a essas pessoas simmples que me imploraram pelo mantra."

Quando Goshtipurna viu a real sinceridade de seu discípulo, seu coraçäo ficou emocionado. Afinal, qual princípio pode ser maior do que a distribuiçäo da misericórdia do Senhor? Embora Ramanuja desobedecera suas instruçöes sobre o mantra, ele compreendeu o verdadeiro espírito do mantra em si. Ele faria um grande pregador para a Sri sampradaya, e demonstrara que tinha capacidade para instilar devoçäo nos coraçöes do povo em geral. Como entäo poderia ser condenado?

Goshtipurna caiu aos pés de Ramanuja, dizendo: "Perdoe-me, meu filho. É você que é meu mestre, e eu o discípulo. Quem sou eu para fazer o papel de guru? Como poderia saber sua grandeza? Aceite-me como seu discípulo."

Após esse incidente, a reputaçäo de Ramanujacharya espalhou-se largamente. Era considerado uma encarnaçäo do próprio Laksmana. Começou a treinar mais e mais discípulos e seu acampamento cresceu. Ocupava muitos sábios em debates e derrotava-os ao expor sua visäo sistemática do Vedanta, conhecida como Visistadvaita-vada, ou monismo qualificado. Um desses sábios foi Yajnamurti.

Yajnamurti era um famoso pandita que derrotara muito erudito em argumentos e escrevera muitos comentários sobre as escrituras. Desafiou Ramanuja a debater, dizendo que se perdesse, carregaria os calçados de Ramanuja e se tornaria seu discípulo. Ramanuja, por sua vez, declarou que se fosse derrotado, abandonaria os livros e argumentos para sempre. O debate principiou e durou 17 dias. Ramanuja estava desencorajado. Orou fervorosamente ao Senhor Varada, sua deidade amada, para receber auxílio. Naquela noite sonhou que a deidade assegurava sua vitória, aconselhando-o a seguir a linha de raciocínio dada por Yamunacharya. Sustentado por sua visäo divina, Ramanuja apareceu na arena do debate com renovada confiança. Antes do debate principiar, contudo, Yajnamurti rendeu-se aos santos pés de Ramanujacharya dizendo: "És meu mestre. Resplandesces com a confiança de quem está conectado com a divindade. Compreendo agora como é fútil discutir contigo. Por favor aceita-me."

A partir daquele dia, a reputaçäo de Ramanuja crescia. Durante essa época, ele viajou por toda India com seus discípulos, indo até mesmo a Kashmir no norte, onde consultou o comentário de Bodhayana sobre os Vedanta Sutras. Ramanuja também era um grande advogado da correta adoraçäo à deidade e tinha o hábito de reformar o sistema de adoraçäo onde quer que ía. Dessa forma, ele padronizou o sistema de adoraçäo pelos templos Vaisnavas da India, eliminando muitas práticas de näo-Vaisnavas que haviam se tornado tradicionais. Seu sistema entretanto näo foi acolhido com muito entusiasmo em Jaganatha Puri, onde a adoraçäo é realizada segundo o sistema de raga-marga, ou devoçäo espontânea. Dizem que depois que tentou reformar o sistema de adoraçäo à deidade ali, o Senhor Jaganatha ficou perturbado. Certa noite, enquanto Ramanuja dormia, ele foi transportado pelo poder de Jaganatha a Kurmasthan. Ao acordar, pensou que cometera uma grande ofensa a Vishnu. Confundindo a deidade de Kurma com um Shiva-lingam, ele pensou que Vishnu o arrojara num templo de Shiva. Quando finalmente entendeu que era um templo do Senhor Kurma, Ramanuja passou a reformar a adoraçäo à deidade ali também.

Depois disso Ramanuja escreveu o Sri-bhasya, seu comentário sobre o Vedanta, e sua fama espalhou-se ainda mais. O rei de Kola, que era um grande seguidor de Shiva, enviou uma petiçäo a todos sábios famosos do sul da India, exigindo suas assinaturas. A petiçäo declarava que Shiva era o supremo. Muitos sábios assinaram, porém Ramanuja recusou-se. Quando isso chegou aos ouvidos do rei ele fez um arranjo para sequestrar Ramanuja, que conseguiu escapar com a ajuda de seu devotado seguidor, Kuresa. Eles trocaram de roupa, e Ramanuja, disfarçado de chefe-de-família, esgueirou-se pelos guardas que cercavam o acampamento. Enquanto isso os soldados do rei prenderam Kuresa, que vestira as roupas de sanyasi de Ramanuja. Esse rei era o mesmo cuja filha fora salva de um fantasma por Ramanuja. Quando Kuresa foi arrastado perante o rei com as roupas de Ramanuja, o rei mandou que ele glorificasse Shiva como o supremo. Kuresa recusou-se. Porque Ramanuja ajudara a filha do rei, este decidiu ser indulgente. Disse a seus servos para näo matarem o prisioneiro, porém apenas apagarem seus olhos por recusar-se a enxergar a posiçäo superior de Shiva. Depois de Kuresa ser solto, sua visäo foi restaurada por milagre, mas o rei, contudo, näo passou täo bem. Nasceu-lhe uma bolha negra no pescoço e morreu disso. Daí por diante ficou famoso como "Krmi-kantha", ou pescoço bichado, devido à infecçäo que o matou.

Enquanto isso, Ramanuja salvava muitos milhares de pessoas através do Sri Vaisnavismo e estabelecia muitos templos. Ele viajou pelo que hoje em dia é Madurai e Mysore, convertendo muitos Jainístas pelo caminho. Em dado momento derrotou mil Jainistas em debate, após o que estes cometeram suicídio em vez de virarem Vaisnavas.

Ramanuja era misericordioso näo só com aqueles na ordem renunciada, mas também com os grhasthas rendidos que davam suas vidas para sua missäo. Um grhastha desses, era Dhanurdasa. Ao conhecer Ramanuja, Dhanurdasa era muito apegado a sua linda esposa. Certo dia, Ramanuja perguntou-lhe se queria ver uma verdadeira beleza, e por curiosidade, Dhanurdasa concordou. Ramanuja levou-o ao templo de Narayana e fê-lo ver a beleza da deidade. Ao compreender que a beleza do Senhor eclipsa todas beldades do mundo, Dhanurdasa tornou-se grande devoto e seguidor de Ramanuja.

Dhanurdasa era um exemplo de desapego. A fim de ensinar desapego a um de seus discípulos, Ramanuja certa vez encenou a seguinte demonstraçäo. Pediu a um de seus discípulos que fosse ao local onde os sanyasis tomavam banho e que trocasse suas roupas, para que depois do banho surgisse confusäo. Quando os sanyasis, todos eruditos renomados e renunciantes, terminaram de tomar banho, descobriram que suas roupas tinham sido trocadas. Um swami estava usando o manto de outro, e assim surgiram discussöes. Conforme um após o outro terminava seu banho e ía procurar suas roupas, a discussäo ficava mais acalorada. Dessa forma, viu-se que esses grandes sábios renunciantes estavam apegados a uns simples pedaços de pano.

E entäo Ramanuja enviou seu discípulo à casa de Dhanurdasa, näo sem antes fazer um arranjo para que Dhanurdasa estivesse servindo no templo, a fim de assegurar que näo estivesse em casa. O discípulo foi à casa de Dhanurdasa à noitinha e, seguindo ordens de Ramanuja, começou a roubar as jóias do corpo da esposa de Dhanurdasa. Após depenar os ornamentos dum lado do corpo dela, o discípulo já ia embora quando repentinamente ela se virou no meio do sono. O discípulo tomou um susto e saiu imediatamente pela janela. Ramanuja instruíra-o a esperar do lado de fora da janela pelo retorno de Dhanurdasa, a fim de registrar sua reaçäo. Após algum tempo, Dhanurdasa regressou ao lar. Nessa hora, a esposa de Dhanurdasa perguntou-lhe: "Dhanurdasa, há algo de errado com o templo?"
"Näo, minha querida. Por que?"
"Estou preocupada que possam estar precisando de dinheiro, mas com vergonha de pedir. Temos que fazer algo para ajudá-los."
"O que a faz pensar isso?"
"É que um dos devotos do templo esgueirou-se pela janela e começou a tomar todas jóias de meu corpo. Acho que esses pobres santos devem estar precisando de nossa ajuda desesperadamente, para chegarem a fazer isso."
"E o que você fez?"
"Me virei, porém ele fugiu pela janela."
"Porque fez isso? Afugentou-o! Agora que faremos?"
"Eu näo queria assustá-lo. Só me virei para que pudesse pegar os ornamentos do outro lado de meu corpo também."
Dhanurdasa repreendeu-a dizendo: "Se näo fosse täo afetada pelo falso-ego, você teria dado todas jóias a ele. Agora que faremos? Falhamos miseravelmente!"
Nisso, sua esposa começou a lamentar, dizendo: "Tem razäo. É só meu orgulho que me impediu de entregar tudo. Como é que iremos avançar algum dia?"

De seu esconderijo, o discípulo de Ramanuja ficou espantado ante a humildade e rendiçäo de Dhanurdasa e sua casta esposa. Quando o discípulo retornou a seu guru, reportou tudo que acontecera. Ramanuja entäo explicou a ele o sentido de ambos eventos - as vestes dos sanyasis e as jóias da esposa de Dhanurdasa: nesse caso, os sanyasis estavam täo apegados a uns panos esfarrapados que até brigavam por eles, enquanto que Dhanurdasa e esposa, embora ghrhasthas, estavam täo livres de apego a objetos materiais que estavam prontos a terem suas jóias roubadas pelos devotos se fossem necessárias ao serviço do Senhor.

Dessa forma, Ramanuja continuou instruindo seus discípulos tanto pelo exemplo como pelos preceitos. Sua influência no Vaisnavismo é sentida poderosamente até mesmo hoje. Seu comentário sobre o Vedanta, o Sri Bhasya, ainda é considerado como sendo o desafio mais formidável ao comentário de Sankaracharya. É o mais famoso dos comentários Vaisnavas. A parte do Sri Bhasya, as obras mais importantes de Ramanuja säo seu comentário sobre o Bhagavad-gita e seu Vedartha-samgraha, o qual resume os princípios védicos essenciais. Segundo a tradiçäo, Sripad Ramanujacharya viveu até completar 100 anos de idade. Sua sucessäo discipular continua até os dias de hoje, mantendo as tradiçöes Sri Vaisnavas de prática, adoraçäo à deidade, e filosofia, que ele sistematizou em sua vida. Ramanujacharya faleceu no décimo dia da lua nova do mês de Phalguna, que corresponde ao mês de janeiro/fevereiro do calendário cristäo.

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